Como editor de livros cristãos fiquei
impressionado ao descobrir em uma pesquisa junto a livrarias evangélicas que um
dos três assuntos que mais vendem livros entre a nossa gente é batalha
espiritual. Prova de que nós, cristãos, somos absolutamente fascinados por esse
assunto. Queremos ver nosso Deus guerreiro arrebentar com o capeta, mandá-lo
pro quinto dos infernos a pontapés, sob nossos brados de glória e aleluia.
Entendo muito bem do assunto. Fui convertido numa igreja que dava muito valor a
isso, onde o diabo era uma figura onipresente nas orações, nos cultos, nas
conversas, no dia a dia dos irmãos. Parecia até que ele tinha cadeira cativa na
primeira fila. Hoje, tendo lido, vivido e praticado minha fé de forma mais
sólida, me atrevo a enxergar aquilo que considero um grande erro no discurso
cristão com relação ao Diabo. E é sobre isso que quero conversar com você.
Antes de mais nada, preciso avisar
aos adeptos do liberalismo teológico que os respeito mas não concordo com
vocês. Acredito sim que Satanás e os demônios são seres pessoais, que atuam sim
nas esferas terrena e celestial, militando contra a Igreja de Cristo. Creio em
possessão demoníaca e já participei de exorcismos (não televisionados e sem
plateia, ressalte-se) em que presenciei situações que ninguém nunca me
convencerá terem sido crises de epilepsia. Então sou bem ortodoxo,
fundamentalista e bem pouco iluminista quando o assunto é demonologia. Creio
que, ao contrário do que defende a Teologia Liberal, Satanás é de fato uma
entidade pessoal. Só para você ter uma ideia, há nas escrituras 177 menções ao
Diabo em seus vários nomes. Além disso, a Bíblia deixa claro que ele tem
intelecto (2 Co 11.3); emoções (Ap 12.17) e também vontade (2 Tm 2.26). Em Mt
25.41 fica claro ainda que ele é moralmente penalizável por seus atos, o que
jamais ocorreria se ele fosse apenas uma metáfora ou um símbolo da maldade
humana, como advogam alguns. E mais: Satanás é descrito por pronomes pessoais e
é fortemente adjetivado no relato bíblico.
Tendo dito isso, vamos ao que
interessa: O grande equívoco que nós, cristãos, cometemos, é achar que
Deus e o Diabo estão numa batalha espiritual em pé de igualdade. Que a
força que Deus tem cá o Diabo tem lá e que as chances de vitória em qualquer
batalha espiritual são de 50% a 50%. É essa imagem da queda de braço aí ao
lado, onde o Supremo Criador do Universo se vê numa disputa de igual pra igual,
em que tudo pode acontecer, em que há isonomia de forças. Nada mais longe da
verdade.
DEMÔNIOS APENAS OBEDECEM E
IMPLORAM A DEUS
Para começar: Deus é o criador do ser
que se tornou Satanás. Ou seja: do mesmo modo que eu e você, como criaturas,
dependemos do Senhor para tudo, precisamos de sua autorização para realizar
qualquer intento, o líder dos demônios tem de enfrentar a mesma burocracia.
Sim, Satanás é obrigado em tudo a dizer a Jeová: “Seja feita a tua vontade,
assim na terra como nos céus”. Ele não tem escolha. Pois o Diabo não pode mover
uma palha sobre a terra ou nas regiões celestiais sem a autorização expressa de
Deus. É como um cachorrinho, esperando que seu dono afrouxe a coleira e ele,
assim, consiga avançar contra um dos eleitos do Senhor.
Isso fica claríssimo no livro de Jó.
Para tomar qualquer iniciativa Satanás precisa que Deus conceda-lhe o direito.
Veja que em Jó 1.12 o Senhor diz a Satanás: “Pois bem, tudo o que ele possui
está nas suas mãos; apenas não toque nele”. Ele usa o verbo no imperativo, isto
é, trata-se de uma ordem, algo que vem de cima para baixo: “não toque”. Em
nenhum momento há uma barganha: há uma concessão.
Depois, na tentação de Jesus no
deserto, as palavras de Cristo em Mt 4.10a são absolutamente reveladoras:
“Jesus lhe disse: Retire-se, Satanás!”. Perceba o que está acontecendo aqui.
Jesus de Nazaré, o Deus encarnado, vira-se para aquele que tantos de nós temem
e simplesmente dá-lhe uma ordem. Se Satanás vivesse em pé de igualdade na
batalha espiritual, se ele lutasse de igual para igual com Deus, no mínimo ele
responderia um “qualé, Jesus, vai encarar? Tá se achando, é?”. Mas não. Sabe o
que o Diabo faz quando Jesus diz “retire-se”? Vamos para o versículo seguinte:
“Então o Diabo o deixou”. Uau. Que moral. Não houve luta, não houve batalha,
não houve barulho. Jesus disse e o Diabo simplesmente e subordinadamente
obedeceu. Prova de que o nível de autoridade do Mestre é infinitamente,
extraordinariamente, magnificamente, inquestionavelmente superior ao do
adversário. Que é adversário nosso, não dEle, como já veremos.
Há ainda outra passagem fantástica
que revela essa realidade. Marcos 5 nos conta que ao chegar a Gadara Jesus se
depara com um endemoninhado. A história se repete. Quando aquela legião de
demônios se vê diante do Rei dos Reis o que ela faz? Guerreia? Peleja? Luta?
Enfrenta? Encara? Sai gritando “vamos lá, essa é a chance de derrotar Jesus!”.
Nada disso. Ouça bem: “E implorava a Jesus, com insistência,
que não os mandasse sair daquela região. Uma grande manada de porcos estava
pastando numa colina próxima. Os demônios imploraram a Jesus:
‘Manda-nos para os porcos, para que entremos neles’.” (Mc 5.10-12). O demônios imploraram.
Segundo o dicionário, isso significa que elessuplicaram, pediram
encarecidamente e humildemente. Isso parece atitude de quem entra numa
batalha de igual para igual? E assim é em todas as manifestações demoníacas que
a Biblia relata: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Ou melhor: quem já é
réu de juízo.
SATANÁS NÃO É INIMIGO DE DEUS, MAS
DOS HOMENS
Deus é onipotente, isto é, pode tudo.
O Diabo é teopotente (com o perdão do neologismo), isto é, só pode o que Deus
lhe permite poder. Então, a imagem medieval de Deus guerreando com o Diabo em
condições de igualdade é tão esdrúxula como imaginar que um rinoceronte e uma
formiga são capazes de competir em igualdade de força, poder e domínio. Apocalipse
fala da batalha final de Armagedom. Mas imaginar que essa batalha é como um Fla
X Flu, em que tudo pode acontecer, em que há chances de qualquer um ganhar, é
uma ideia extremamente infantil. Toda e qualquer luta entre Deus e o Diabo é
como um jogo entre a seleção brasileira titular de futebol e o timinho mirim
sub-10 do Cáceres Matogrossense (que para quem não sabe é considerado o pior
time do Brasil). Chega a ser risível imaginar uma derrota da seleção.
Deus sempre ganha. Sempre. Sempre.
Simplesmente porque a grandeza, o poder e a majestade do Ser infinito, eterno,
onipotente, inefável, magnífico que é o Senhor do Universo é absolutamente,
impensavelmente, descomunalmente superior a toda e qualquer capacidade que esse
mísero ser criado, chamado Satanás, possa ter.
Satanás não é inimigo direto de Deus:
é uma pedra incômoda no sapato. Uma farpa no dedo. Satanás é sim inimigo dos
homens, adversário nosso, pois ele tem a capacidade de nos sugerir que
pequemos. Nem nos obrigar ele pode (salvo em caso de possessão). Veja o que ele
fez com Adão e Eva: não enfiou o fruto proibido goela abaixo deles, apenas
sugeriu, deu ideias. Satanas é um grande sedutor. Nós fazemos e cedemos se
quisermos. Repare que o anjo de Apocalipse 22.9 diz a João: “Sou teu conservo”.
Analogamente, os anjos caídos estão no mesmo nível hierárquico: co.
Ou seja, “correspondente”, “correlato”. Eles estão em pé de igualdade enquanto
inimigos dos seres humanos, jamais de Deus. Assim, devemos temer somente e tão
somente aquele que pode lançar nossa alma no inferno (Mt 10.28), ou seja: Deus.
Acredite: o Diabo não tem nenhuma autoridade para te condenar ao inferno. Isso
é entre você e o Todo-Poderoso.
IGREJAS DIABOCÊNTRICAS
Pois bem, uma vez que pomos o Diabo
no lugar que lhe é devido, começamos a perceber que ele vem sendo tratado pela
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo de maneira completamente equivocada: com
honras e glórias.
“Ahn? Como assim, Zágari, tá maluco?”
Não mesmo. Repare que temos dado
tanto destaque ao Diabo em nossas vidas que muitas vezes falamos mais dele do
que de Deus em nossas orações e em nossos cultos. É um tal de repreender pra
cá, expulsar pra lá, manietar, acorrentar, aprisionar… passamos tanto tempo
usando os minutos que deveríamos estar dedicando ao Criador dos Céus e da Terra
mencionando o Diabo que acabamos tornando nossos momentos na igreja
diabocêntricos. E você consegue perceber o que há de mais grave nisso? Repare
que quando pegamos o espaço que deveria ser totalmente devotado a Deus (como
nossos cultos, nossos devocionais, nossas orações etc) e o usamos para dar
espaço ao Diabo estamos fazendo exatamente o que ele queria e que resultou em
sua queda: o pomos no lugar de Deus. Ou seja: quando fazemos de Satanás o
centro de nossas atenções ele exulta, pois é exatamente o que queria desde o
início: usurpar o lugar do Senhor. Nem que seja nas nossas atenções e em nossos
pensamentos.
Cultos são momentos que, como diz o
nome, servem para cultuar a Deus. Orações servem para relacionarmo-nos com
Deus. Se O removemos desses momentos e pomos o Diabo no Seu lugar, pronto: sem
percebermos entronizamos Satanás em nossas atividades, deixando o Senhor em
segundo plano. Ah, e isso é tudo o que Maligno sempre quis! Veja: “Você, que
dizia no seu coração: ‘Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das
estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais
elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como
o Altíssimo’.” (Is 14.13,14).
As nossas orações, então, em vez de
representarem momentos de íntimo contato com o Abba, de aproximação com o nosso
amado, com aquele que é maravilhoso, em vez de serem oportunidades de nos
derramarmos ao Pai nosso que está no Céu, cujo nome é santificado e cujo Reino
esperamos ansiosamente… vira um bate-boca com o Diabo e com os demônios. Que
desperdício! E isso porque temos a ilusão de que temos de ficar guerreando
eternamente contra esse ser que é tão inferior ao nosso amigo Jesus Cristo.
Quando na verdade onde a luz brilha as trevas se dissipam.
BATALHA ESPIRITUAL SE GANHA
ACENDENDO A LUZ
Quer fazer batalha espiritual? Acenda
a luz de Cristo na tua existência. Traga Jesus para o centro de tudo. E ali ele
iluminará todos os cantos de sua vida, eliminando todo e qualquer vestígio de
trevas. Pronto, a batalha estará vencida. Simples assim. Sem mágicas, sem
estratégias, sem abracadabra. Ponha Jesus no centro da tua vida e Ele iluminará
teu corpo, alma e espírito. E, com isso, não sobrará espaço absolutamente
nenhum para o Diabo agir.
Fico impressionado com grupos que
criam “ministérios” onde ensinam sobre mapeamento espiritual, estratégias de
guerra e um monte de outras coisas ligadas ao Diabo. Eu mesmo na minha infância
de fé participei de alguns, fui a cursos e seminários. Passamos manhãs inteiras
discutindo e aprendendo sobre demônios, principados, hierarquias e tantas
outras invenções humanas que a Bíblia ignora totalmente. Joguei no lixo manhãs
inteiras glorificando o Diabo, tornando-o o centro das atenções, quando poderia
estar me devotando ao Cristo que veio à terra para desfazer as obras do maligno
(1 Jo 3.8) e que o venceu na Cruz. Aprendi tantas coisas inúteis nesses
seminários de batalha espiritual que uma simples leitura bíblica me teria
ensinado com muito mais clareza lições infinitamente mais preciosas e eficazes.
Quer saber qual é a forma bíblica de
Jesus de lidar com Satanás e os demônios? Pois bem, repare antes de qualquer
coisa que é a forma como alguém muito superior trataria alguém
infinitamente inferior. Como um leão trataria um rato. Mateus 8.16 diz a respeito
de Jesus: “Ao anoitecer foram trazidos a ele muitos endemoninhados, e ele
expulsou os espíritos com uma palavra”. Repare, uma única palavra!
Jesus não se rebaixava a ficar
conversando com demônios. Com uma única palavra os mandava embora. E isso
era corriqueiro. Em Marcos 1, Jesus está numa sinagoga quando “justo naquele
momento, na sinagoga, um homem possesso de um espírito imundo gritou: O que
queres conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos destruir? Sei quem tu és: o
Santo de Deus”. Repare que o demônio que possuia aquele homem puxou o maior
papo com Jesus. Mas sabe o que o Mestre fez? Não deu a menor trela. Tudo o que
ele falou, segundo o versiculo 25, foi: “Cale-se e saia dele!”. Que coisa
extraordinária! Repare bem: Jesus não permitiu que o demônio abrisse a boca!
Mandou-o se calar. E sair. Só. Sem conversa, sem dar importância nem
oportunidade de ele falar ou mesmo “ensinar” doutrinas de demônios. O
resultado? O texto diz: “O espírito imundo sacudiu o homem violentamente e saiu dele
gritando”. “Cale-se e saia dele”…e ele saiu. Uau.
Esse deve ser o nosso procedimento:
cala e sai. Só. E sempre. Luz acesa, trevas dissipadas.
É como se Jesus quisesse dizer: “Tá,
já tirei o cabelo da sopa, vamos nos banquetear agora?”. Mas tem gente que
prefere ficar aos berros: “Tem um cabelo na minha sopa! Tem um cabelo na minha
sopa! Tem um cabelo na minha sopa!”. E assim perde o principal. Que é Deus. A
Cruz. A vida eterna. A Igreja. A comunhão dos santos. O amor.
VALORIZAR O DIABO EM NOSSAS
CELEBRAÇÕES É DESTRONAR DEUS
A Bíblia é sobre Cristo. O
Evangelho é sobre Cristo. Nossa vida cristã é sobre Cristo. Batalha espiritual
é um assunto secundário. Se houver demônios os expulsamos e acabou. Se você
reparar que está gastando muito do seu tempo lendo sobre eles, falando sobre
eles e se preocupando com as sujeiras ligadas a eles é sinal que suas
prioridades na vida de fé precisam ser reavaliadas. Cristianismo é sobre viver
com Cristo e amar o próximo e não sobre ficar gastando horas e horas com
demônios.
Deus não está no mesmo nível que o
Diabo. Deus está no apartamento de cobertura e o Diabo, no capacho que dá
entrada ao saguão do primeiro piso – pela porta dos fundos Temos que
tirar da cabeça essa ideia infantil de que eles estão no mesmo nível. Deus é
criador. O Diabo é criatura. Deus pode tudo. O Diabo só pode o que lhe é
permitido. Deus manda. O Diabo obedece. Deus é vitorioso. O Diabo já perdeu.
Deus viverá a eternidade em seu Reino de glória, honra e majestade. O Diabo
viverá a eternidade na morte eterna do lago de fogo e enxofre. Deus ama seus
filhos. O Diabo perdeu o amor de Deus. Deus merece toda a nossa atenção. O
Diabo não merece nem mesmo um post num blog desconhecido como o meu. Logo, como
já gastei tempo demais escrevendo sobre essa criatura incômoda que conseguiu
fazer com que eu usasse um post do meu blog pra falar dele, nada melhor do que
encerrar um artigo sobre o Diabo falando sobre Aquele que de fato merece que
falemos dEle: Glória a Deus nas maiores alturas! Hosana ao Filho de
Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas! Santo, santo,
santo é o Senhor dos exércitos; a terra toda está cheia da sua glória. Santo,
santo, santo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir.
(Lc 2.14a; Mt 21.9; Is 6.3; Ap 4.8)
Paz a todos vocês que estão em
Cristo.